Naquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da Secretaria.
Este, como se movido fosse por uma pilha elétrica, estava, poucos instantes depois, em presença de Sua Excelência, que o recebeu com duas pedras na mão.
— Estou furioso! — exclamou o conselheiro; — por sua causa passei por uma vergonha diante de Sua Majestade o Imperador
— Por minha causa? — perguntou o diretor—geral, abrindo muito os olhos e batendo nos peitos.
— 0 senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado!
— Que me está dizendo, Excelentíssimo?...
E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores, quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e, depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida:
— É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi...
— É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de Sua Majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o seu oficial-de-gabinete!
E, dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu:
— Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial: ouvi palavras tão desagradáveis proferidas pelos augustos lábios de Sua Majestade, que dei a minha demissão!...
— 0h!...
— Sua Majestade não o aceitou...
— Naturalmente; fez Sua Majestade muito bem.
— Não a aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado.
— Peço mil perdões a Vossa Excelência — protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. — 0 acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a Vossa Excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que se não reproduzam fatos desta natureza.
0 ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo:
— Bom! Mande reformar essa porcaria!
0 diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras, e chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3a seção, que o encontrou fulo de cólera.
— Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. Ministro! — Por minha causa?
— 0 senhor mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado!
E atirou-lhe o papel, que caiu no chão.
0 chefe da 3a seção apanhou-o, atônito, e, depois de se certificar do erro, balbuciou:
— Queira Vossa Senhoria desculpar-me, Sr. Diretor... são coisas que acontecem... havia tanto serviço... e todo tão urgente!...
— 0 Sr. Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si!
— Não era caso para tanto.
— Não era caso para tanto? Pois olhe, Sua Excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta!
— Eu... Vossa Senhoria...
— Não o suspendo; limito-me a fazer-lhe uma simples advertência, de acordo com o regulamento.
— Eu... Vossa Senhoria.
— Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria!
***
0 chefe da 3a seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto:
— Estou furioso, Sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do sr. diretor-geral!
— Por minha causa?
— 0 senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado!
E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense.
— Eu devia propor a sua suspensão por 15 dias ou um mês: limito-me a repreendê-lo, na forma do regulamento! 0 que eu teria ouvido, se o sr. diretor-geral me não tratasse com tanto respeito e consideração!
— 0 expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi...
— Ainda o confessa!
— Fiei-me em que o sr. chefe passasse os olhos...
— Cale-se!... Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!...
— Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta...
— Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!...
***
0 amanuense obedeceu.
Acabado o serviço, tocou a campainha. Apareceu um contínuo. (...)
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