ATENÇÃO !!! Prazo Prorrogado !!!

Para os atrasados !!!

Atenção !!! Atenção !!!

O prazo para escrever o término do conto foi prorrogado até sexta-feira (07/05).

Escreva logo...

Não perca tempo !!!

Ainda dá tempo !!!


Este espaço possui como objetivo desafiar a criatividade por meio de projetos literários abordados em sala de aula. Assim, aqui será a extensão de uma produção textual já iniciada e interpretada em conjunto: uma parceria nossa.

E já que vocês estão aqui na Internet (e em boa parte fazendo nada de muito produtivo, como cultivando a fazendinha, vendo algum vídeo no youtube ou se atualizando sobre as últimas fofocas dos artistas e dos amigos), por que não aproveitarmos essa oportunidade para construírmos algo realmente significativo e que no futuro nos renderá algumas surpresas? Hein?

Entre nesse jogo e não se esqueça de aqui quem conta um conto, aumenta dois pontos (e na média... hehehe)


PRINCIPAIS INSTRUÇÕES

A partir da leitura do conto escolhido para o seu ano (no caso dos alunos do Ensino Fundamental) ou para sua série (no caso dos alunos do Ensino Médio, serão recomendadas algumas dicas para a construção de seu texto.


São elas:

- Em cada conto, há a presença de personagens, cenário e noção do aspecto tempo, por isso, respeite essas informações no momento de criação. De nada adianta matar todos ou provocar um terremoto e terminar o conto sem uma abordagem criada por vocês.

- Lembrem-se de que vocês estão finalizando cada conto, por isso, criatividade é muito bem-vinda. Porém, não se esqueçam de manter o texto coerente respeitando a uma lógica mínima.

- Com relação ao espaço, procurem organizar as ideias em aproximadamente dois parágrafos (entre 10 e 20 linhas.)

- Já com relação à escrita, aqui tudo é válido. Pode abreviar, usar gírias, criar palavras, etc etc etc. Mas não se esqueçam de que as informações citadas têm de estar claras para nós leitores.

- Ao final de seu texto, não se esqueçam de colocar o nome completo, número e turma. Pois, os artistas precisam ser identificados e reconhecidos.

- Os textos deverão ser postados até 05 de maio de 2010.

- Se houver alguma dúvida, me procurem e conversamos, ok?

Boa Viagem !
Éfegê

segunda-feira, 8 de março de 2010

A MOÇA TECELÃ - Marina Colasanti (Aos alunos da 2ª série - E.M.)


Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear. (...)

IDEIAS DE CANÁRIO - Machado de Assis (Aos alunos da 1ª série - E.M.)

Um homem dado a estudos de ornitologia, por nome Macedo, referiu a alguns amigos um caso tão extraordinário que ninguém lhe deu crédito. Alguns chegam a supor que Macedo virou o juízo. Eis aqui o resumo da narração.

No princípio do mês passado, — disse ele, — indo por uma rua,sucedeu que um tílburi à disparada, quase me atirou ao chão. Escapei saltando para dentro de urna loja de belchior. Nem o estrépito do cavalo e do veículo, nem a minha entrada fez levantar o dono do negócio, que cochilava ao fundo, sentado numa cadeira de abrir. Era um frangalho de homem, barba cor de palha suja, a cabeça enfiada em um gorro esfarrapado, que provavelmente não achara comprador. Não se adivinhava nele nenhuma história, como podiam ter alguns dos objetos que vendia, nem se lhe sentia a tristeza austera e desenganada das vidas que foram vidas.

A loja era escura, atulhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante. Panelas sem tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras, uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas, um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome, dragonas, uma bolsa de veludo, dois cabides, um bodoque, um termômetro, cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras de arame para o carnaval que há de vir, tudo isso e o mais que não vi ou não me ficou de memória, enchia a loja nas imediações da porta, encostado, pendurado ou exposto em caixas de vidro, igualmente velhas. Lá para dentro, havia outras cousas mais e muitas, e do mesmo aspecto, dominando os objetos grandes, cômodas, cadeiras, camas, uns por cima dos outros, perdidos na escuridão.

Ia a sair, quando vi uma gaiola pendurada da porta. Tão velha como o resto, para ter o mesmo aspecto da desolação geral, faltava lhe estar vazia. Não estava vazia. Dentro pulava um canário.

A cor, a animação e a graça do passarinho davam àquele amontoado de destroços uma nota de vida e de mocidade. Era o último passageiro de algum naufrágio, que ali foi parar íntegro e alegre como dantes. Logo que olhei para ele, entrou a saltar mais abaixo e acima, de poleiro em poleiro, como se quisesse dizer que no meio daquele cemitério brincava um raio de sol. Não atribuo essa imagem ao canário, senão porque falo a gente retórica; em verdade, ele não pensou em cemitério nem sol, segundo me disse depois. Eu, de envolta com o prazer que me trouxe aquela vista, senti-me indignado do destino do pássaro, e murmurei baixinho palavras de azedume.

— Quem seria o dono execrável deste bichinho, que teve ânimo de se desfazer dele por alguns pares de níqueis? Ou que mão indiferente, não querendo guardar esse companheiro de dono defunto, o deu de graça a algum pequeno, que o vendeu para ir jogar uma quiniela?

E o canário, quedando-se em cima do poleiro, trilou isto:

— Quem quer que sejas tu, certamente não estás em teu juízo. Não tive dono execrável, nem fui dado a nenhum menino que me vendesse. São imaginações de pessoa doente; vai-te curar, amigo.

— Como — interrompi eu, sem ter tempo de ficar espantado. Então o teu dono não te vendeu a esta casa? Não foi a miséria ou a ociosidade que te trouxe a este cemitério, como um raio de sol?

— Não sei que seja sol nem cemitério. Se os canários que tens visto usam do primeiro desses nomes, tanto melhor, porque é bonito, mas estou vendo que confundes.

— Perdão, mas tu não vieste para aqui à toa, sem ninguém, salvo se o teu dono foi sempre aquele homem que ali está sentado.

— Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo.

Pasmado das respostas, não sabia que mais admirar, se a linguagem, se as idéias. A linguagem, posto me entrasse pelo ouvido como de gente, saía do bicho em trilos engraçados. Olhei em volta de mim, para verificar se estava acordado; a rua era a mesma, a loja era a mesma loja escura, triste e úmida. O canário, movendo a um lado e outro, esperava que eu lhe falasse. Perguntei-lhe então se tinha saudades do espaço azul e infinito.

— Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço azul e infinito?

— Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que cousa é o mundo?

O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira.

Nisto acordou o velho, e veio a mim arrastando os pés. Perguntou-me se queria comprar o canário. Indaguei se o adquirira, como o resto dos objetos que vendia, e soube que sim, que o comprara a um barbeiro, acompanhado de uma coleção de navalhas.

— As navalhas estão em muito bom uso, concluiu ele.

— Quero só o canário.

Paguei lhe o preço, mandei comprar uma gaiola vasta, circular, de madeira e arame, pintada de branco, e ordenei que a pusessem na varanda da minha casa, donde o passarinho podia ver o jardim, o repuxo e um pouco do céu azul.

Era meu intuito fazer um longo estudo do fenômeno, sem dizer nada a ninguém, até poder assombrar o século com a minha extraordinária descoberta. Comecei por alfabeto a língua do canário, por estudar-lhe a estrutura, as relações com a música, os sentimentos estéticos do bicho, as suas idéias e reminiscências. Feita essa análise filológica e psicológica, entrei propriamente na história dos canários, na origem deles, primeiros séculos, geologia e flora das ilhas Canárias, se ele tinha conhecimento da navegação, etc. Conversávamos longas horas, eu escrevendo as notas, ele esperando, saltando, trilando.

Não tendo mais família que dois criados, ordenava lhes que não me interrompessem, ainda por motivo de alguma carta ou telegrama urgente, ou visita de importância. Sabendo ambos das minhas ocupações científicas, acharam natural a ordem, e não suspeitaram que o canário e eu nos entendíamos.

Não é mister dizer que dormia pouco, acordava duas e três vezes por noite, passeava à toa, sentia me com febre. Afinal tornava ao trabalho, para reler, acrescentar, emendar. Retifiquei mais de uma observação, — ou por havê-la entendido mal, ou porque ele não a tivesse expresso claramente. A definição do mundo foi uma delas.

Três semanas depois da entrada do canário em minha casa, pedi-lhe que me repetisse a definição do mundo.

— O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira.

Também a linguagem sofreu algumas retificações, e certas conclusões, que me tinham parecido simples, vi que eram temerárias.

Não podia ainda escrever a memória que havia de mandar ao Museu Nacional, ao Instituto Histórico e às universidades alemãs, não porque faltasse matéria, mas para acumular primeiro todas as observações e ratificá-las. Nos últimos dias, não saía de casa, não respondia a cartas, não quis saber de amigos nem parentes. Todo eu era canário. De manhã, um dos criados tinha a seu cargo limpar a gaiola e pôr lhe água e comida. O passarinho não lhe dizia nada, como se soubesse que a esse homem faltava qualquer preparo científico. Também o serviço era o mais sumário do mundo; o criado não era amador de pássaros.

Um sábado amanheci enfermo, a cabeça e a espinha doíam-me. O médico ordenou absoluto repouso; era excesso de estudo, não devia ler nem pensar, não devia saber sequer o que se passava na cidade e no mundo. Assim fiquei cinco dias; no sexto levantei-me, e só então soube que o canário, estando o criado a tratar dele, fugira da gaiola. O meu primeiro gesto foi para esganar o criado; a indignação sufocou-me, caí na cadeira, sem voz, tonto. O culpado defendeu-se, jurou que tivera cuidado, o passarinho é que fugira por astuto.

— Mas não o procuraram?

Procuramos, sim, senhor; a princípio trepou ao telhado, trepei também, ele fugiu, foi para uma árvore, depois escondeu-se não sei onde. Tenho indagado desde ontem, perguntei aos vizinhos, aos chacareiros, ninguém sabe nada.

Padeci muito; felizmente, a fadiga estava passada, e com algumas horas pude sair à varanda e ao jardim. Nem sombra de canário. Indaguei, corri, anunciei, e nada. Tinha já recolhido as notas para compor a memória, ainda que truncada e incompleta, quando me sucedeu visitar um amigo, que ocupa uma das mais belas e grandes chácaras dos arrabaldes. Passeávamos nela antes de jantar, quando ouvi trilar esta pergunta:

— Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu?

Era o canário; estava no galho de uma árvore. (...)

DE CIMA PARA BAIXO - Artur Azevedo (Aos alunos do 9° Ano E.F.)

Naquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da Secretaria.

Este, como se movido fosse por uma pilha elétrica, estava, poucos instantes depois, em presença de Sua Excelência, que o recebeu com duas pedras na mão.

— Estou furioso! — exclamou o conselheiro; — por sua causa passei por uma vergonha diante de Sua Majestade o Imperador

— Por minha causa? — perguntou o diretor—geral, abrindo muito os olhos e batendo nos peitos.

— 0 senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado!

— Que me está dizendo, Excelentíssimo?...

E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores, quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e, depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida:

— É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi...

— É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de Sua Majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o seu oficial-de-gabinete!

E, dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu:

— Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial: ouvi palavras tão desagradáveis proferidas pelos augustos lábios de Sua Majestade, que dei a minha demissão!...

— 0h!...

— Sua Majestade não o aceitou...

— Naturalmente; fez Sua Majestade muito bem.

— Não a aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado.

— Peço mil perdões a Vossa Excelência — protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. — 0 acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a Vossa Excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que se não reproduzam fatos desta natureza.

0 ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo:

— Bom! Mande reformar essa porcaria!

0 diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras, e chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3a seção, que o encontrou fulo de cólera.

— Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. Ministro! — Por minha causa?

— 0 senhor mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado!

E atirou-lhe o papel, que caiu no chão.

0 chefe da 3a seção apanhou-o, atônito, e, depois de se certificar do erro, balbuciou:

— Queira Vossa Senhoria desculpar-me, Sr. Diretor... são coisas que acontecem... havia tanto serviço... e todo tão urgente!...

— 0 Sr. Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si!

— Não era caso para tanto.

— Não era caso para tanto? Pois olhe, Sua Excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta!

— Eu... Vossa Senhoria...

— Não o suspendo; limito-me a fazer-lhe uma simples advertência, de acordo com o regulamento.

— Eu... Vossa Senhoria.

— Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria!
***
0 chefe da 3a seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto:

— Estou furioso, Sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do sr. diretor-geral!

— Por minha causa?

— 0 senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado!

E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense.

— Eu devia propor a sua suspensão por 15 dias ou um mês: limito-me a repreendê-lo, na forma do regulamento! 0 que eu teria ouvido, se o sr. diretor-geral me não tratasse com tanto respeito e consideração!

— 0 expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi...

— Ainda o confessa!

— Fiei-me em que o sr. chefe passasse os olhos...

— Cale-se!... Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!...

— Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta...

— Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!...
***
0 amanuense obedeceu.

Acabado o serviço, tocou a campainha. Apareceu um contínuo. (...)

MEDO - Cora Coralina (Aos alunos do 8°Ano E.F.)


Não há nada de que a criatura humana tenha mais pavor do que de morto. Deve haver realmente e de forma obscura uma força tremenda, invisível e imensurável da parte de quem morreu sobre aquele que anda firme na vida, anulando neste, a capacidade de resistir à presença, ao contato ou à simples suspeita da aproximação daquele. Daí as inibições físicas e psíquicas, incontroladas, mesmo quando se trata de pessoas queridas que já se foram.

O pavor domina o vivo obliterando todo o mecanismo do raciocínio e da capacidade de indignação e pesquisa esclarecedora do sobrenatural quando este se apresenta espontaneamente. Falta aos mais destemidos e temerários a coragem a perguntar, de perguntar.

Nem os descrentes e corajosos e afoitos se sentem com a coragem de fazer perguntas ou indagar qualquer coisa quando o caso se apresenta.
Desse medo, medo obscuro, profundo e selvagem que a criatura não conseguiu disciplinar, surgem os casos trágicos, cômicos e humorísticos acontecidos com alguns mortos aparentes que tornam à vida e até, mesmo, a simples aparência, suposição e engano, ligados à ideia da morte.

Viajava uma jardineira, expresso ou perua, como se diz, de Goiânia para Goianópolis. Levava na cobertura, entre malas e trouxas, um caixão vazio de defunto, destinado para uma pessoa falecida naquele distrito.

Logo adiante na estrada, um homem parado, dá sinal e a perua pára.

Dentro, tudo cheio. O homem que precisava de seguir sua viagem aceitou de viajar na coberta com os volumes e o caixão vazio. Subiu. O tempo tinha se fechado para chuva e logo começou a pingar grosso. O sujeito em cima achou que não seria nada demais ele entrar dentro do caixão e ali se defender da chuva. Pensou e melhor fez. Entrou, espichou bem as pernas, ajeitou a cabeça na almofadinha que ia dentro, puxou a tampa e bem confortado, ouvia a chuva cair.

Mais adiante, dois outros esperavam condução. Deram sinal e a perua parou de novo, os homens subiram a escadinha e se acocoraram no alto. Iam conversando e molhados com a chuva fina e insistente.

Passado algum tempo o que ia resguardado escutando a conversa ali em cima levantou devagarinho a tampa do caixão e perguntou de dentro, só isto: (...)